27.1.06

tudo que eu queria

publico a coluna da cora ronái, de o globo. isso que os imigrantes queriam também é tudo que eu quero. eles não conseguiram. eu tenho esperanças (essa alice pollyana que não me deixa...).

Um corte de linho,
por Rachel de Queiroz

Estava na casa da minha irmã quando, por acaso, resolvi remexer uma pilha de revistas velhas. Uma delas era a edição de 12 de abril de 1952 de “O Cruzeiro”, onde, na última página, Rachel de Queiroz assinava a sua crônica habitual:
“Recebi ontem um presente que me deixou comovida: um corte de linho tecido por meus amigos húngaros da Ilha do Governador. A fazenda é perfeita, só não parece linho irlandês porque é mais bonita, tem aquele jeito pessoal e inconfundível que marca a obra do artesão, sem a uniformidade, a falta de caráter e de vida do trabalho em série.
Faz cinco anos que eles chegaram ao Brasil, exaustos da guerra e dos nazistas, em busca de trabalho e de paz. Pela bitola do serviço de emigração, creio que não passariam por bons emigrantes: eram gente urbana, dois homens e quatro mulheres. A palavra certa para os chamar é mesmo intelectuais: não tinham costume de lidar no campo, não eram profissionalmente operários ou técnicos. A idéia é terrível, mas verdadeira: intelectuais! Amam os livros e os lêem, a parte mais importante da bagagem que trouxeram era isso mesmo, livros. Têm atrás de si uma longa ascendência de letrados, e chegam a possuir um irmão muito ilustre, que honraria qualquer república de letras e é hoje uma das colunas mestras da nossa. A própria profissão do falecido pai da família era de livreiro.
Pois chegaram esses viajantes de terras de além, fixaram-se numa casa modesta da ilha, e puseram mãos ao trabalho. A idéia era montarem um tear, a fim de produzir pano grosso, ou mais propriamente essa entretela que os alfaiates usam para enchimento, a qual é feita com crina de cavalo e é uma indústria típica de artesanato, segundo a praticam lá na pátria de onde vieram. Construíram, eles próprios, o primeiro tear, todo em madeira. Tinha qualquer coisa de primitivo e bíblico aquela estranha máquina que a gente via, roncando na pequena oficina improvisada ao fundo do quintal. A urdidura era armada em grandes painéis, a agulha mordia o fio da crina, a lançadeira corria dum lado para o outro. A entretela saiu boa —- parece que não é produto para se fabricar em série, e assim não sofre a concorrência das grandes fábricas —- achou mercado franco. Era uma das moças que vendia diretamente aos consumidores, porque os homens confessam que ‘não têm jeito para negociar’.
E então fez-se o segundo tear menos primitivo, mais sofisticado. Terceiro tear veio depois, logo o quarto, e agora já lá estão cinco trabalhando. A fabricação de entretela ampliou-se. Entraram a produzir tecidos mais finos, o bom gosto começou a se introduzir no trabalho, como compete a toda boa obra de artesão. Com pouco tempo as senhoras da casa só vestiam vestidos feitos com os panos da fabricação doméstica. E agora estão fazendo linho, tecido de rei, belo e impecável: e no casamento de um dos irmãos (os dois últimos solteiros já se casaram aqui no Brasil), toda a família foi ao pretório —- inclusive a noiva —- com roupa de linho fabricado na oficina de casa.
Não é uma beleza? Não consola a gente ver como são grandes e inesgotáveis os recursos de alma dos homens? Cito este exemplo, especialmente comovida. Primeiro porque eles são meus amigos, e a segurança com que eles se estabelecem e prosperam aqui é grata ao nosso coração. Depois porque, meu Deus, não são candidatos a Matarazzo, não pensam em ser reis da entretela —- querem apenas viver, com decência e tranqüilidade; trabalham apenas para conseguirem a vida que, por direito de nascença, cabe a todo ser humano: garantir a subsistência de cada dia, e usar o resto das horas livres lendo, estudando, escutando música, tratando das flores do jardim, tomando banho de mar, criando cachorros. Dignidade e segurança, é só o que eles almejam.
E pode-se dizer que já o conseguiram. Este corte de linho, que tenho pena até de mandar cortar para um vestido, é bem um símbolo de tudo que eles já realizaram em apenas cinco anos. E as autoridades emigratórias que não se assustem tanto, quando escutam dizer de um candidato a brasileiro que ele não é lavrador nem vaqueiro, apenas um intelectual. Intelectual não é sinônimo de portador de moléstia ruim. Nem os intelectuais são tão indesejáveis quanto parecem. Têm, ao contrário, muita coisa em comum com este país onde vieram se abrigar, depois da tempestade na Europa: como esta terra do Brasil, em se querendo plantar, eles dão para tudo.”

***
A noiva vestida de linho era, nem preciso dizer, minha Mãe; e os hábeis tecelões, o que restou da família de meu Pai. Infelizmente, o futuro não lhes sorriu como previa a crônica; quando a pequena fábrica começou a crescer, foi massacrada sem remorsos pelos grandes fabricantes de tecido, que viram com olhos menos poéticos do que os de Rachel de Queiroz a saga daqueles imigrantes.

26.1.06

pausa

preciso de um minuto
pra recompor o quadro.
não vá embora para sempre.
eu volto logo.
tomara que você me reconheça

24.1.06

tem uns que sabem.

Gente, esse texto aí embaixo foi escrito por um homem. Era pra ser ou foi de fato para um anúncio. Achei demais. O tal homem trabalha comigo e também é publicitário.
Valdeir. Junior.
Foi o cheirinho.

“Agora é que você vai ver”, minha mãe já me alertava. Eu, claro, nem aí. Só queria saber do enxoval do bebê, receber os mimos do maridão, responder às perguntas das amigas não-mães, enfim, extrair alguma diversão daquilo. Eu precisava. Qualquer um precisaria depois dos enjôos, dores, deformação do corpo, roupas que já não serviam mais. Aí ela chegou. Estávamos jantando. Nem tive tempo de tocar na sobremesa. E olha que eu adoro musse de maracujá. Dor, homens e mulheres de branco, anestesia, confusão, choro. Meu e dela. Ela nos meus braços e o cheirinho. “Agora é que você vai ver”. Eu vi. E foi ótimo.

tanta pressa

eu só queria ser um pouco louca
pra não aceitar que a vida passe tão depressa
e eu tenho pressa, eu tenho pressa, eu tenho pressa
de viver.

eu só queria ter o golpe exato
pra mandar o que é ruim pro espaço
e só saber do que me é e dá prazer
e eu tenho pressa, eu tenho pressa, eu tenho pressa
de viver.

eu ando rápido, bem mais rápido que o tráfego
eu corro e minto
bem mais alegre do que o sátiro
eu rodo em vão nos vãos dos meus espaços

eu tenho pressa
eu tenho febre
e não tem essa
deixe que me levem

eu sou menina
tenho a vida breve
e leve
e leve
e leve...

23.1.06

combinações dos sentidos

sol e boné.
maresia com coppertone.
peixe com limão.
sal e picolé kibon.
areia com maiô.
vergonha com celulite.
toalha com barriguinha.
óculos com óleo de bronzear.
azul com azul.
ardor e frescor.
espaço e desejo.
manhã e calor.
rede e brisa.
livro e soneca.
camarão e moqueca.
sonho e despertador.
era uma vez um trio de loucas. uma queria vender tomates na feira. a outra queria fazer sabonetes e vender na feira. a outra queria ser dona da feira. uma tarde se reuniram pra criar um projeto: uma barraca de feira ambulante. iam encher ela de turistas e fazer excursão pelos pontos cardeais da cidade. todos os turistas vestidinhos de feirantes, uma gracinha. as três loucas investiram tudo que tinha no projeto: tempo, marido, filhos, amantes, namorados, mesada de mãe, empréstimo de tia. aí, projetaram, projetaram, projetaram, até que convenceram um dos Homi a bancar a barraquinha da alegria. e lotaram a bufa de money. eu disse que eram loucas, não disse? pois então: uma comprou tudo em tomate, a outra em glicerina e a outra... em feirante (tinha um japonês de olho azul...). e pelo menos duas montaram blogs.