17.6.06

marineuza

pego balde e vassoura. panos velhos, detergente. abro a porta e entro. os olhos se acostumam pouco a pouco à escuridão. tudo é decadência, tristeza, abandono. penso em recuar, a tarefa é por demais grandiosa. já não há mais volta. em passos lentos, mas decididos vou até a janel e puxo o velho brocado, que se desmancha em minhas mãos. a luz entra e revela os estragos. mas, afinal é dia. olho em volta. hora de começar.

16.6.06

invasores de corpos XLIII

fui invadida por um alien. pode ler de novo: a-li-en. ele está, aos poucos substituindo meus cabelos. por isso eles caem tanto, tanto, e eu nunca fico careca. porque tem um alien tomando o lugar deles, fio a fio. isso começou há uns 5 anos. bem sutil, no começo. uma leve mudança na textura. uma nova maneira de se posicionar. eu corri e cortei bem curto. achei que ia dar uma força, sabe como? e deu mesmo. o alien assumiu de vez. hoje, o que eu antes achava que eram meus cabelos tem vida própria. humores. é, sim. tem dia que está simplememente insuportável. noutros dias, irreconhecível. e há também alguns dias bons, em que eu quase acho que tudo voltou ao normal.
mas o pior eu ainda não contei. o alien está se espalhando. e começa a invadir a minha pele. vai substituí-la aos poucos por algo que vai parecer comigo, mas não serei mais eu.
se vc me encontrar e não me reconhecer, tudo bem. serei então totalmente o alien. e eu suspeito que no planeta deles não tem botox.

13.6.06

ménage-à-trois

olhe bem pra nós dois
o que virá depois,
quando o silêncio
vier de vez?

seremos os três
amantes outra vez
e nenhuma manhã será de adeus.

mas eu não quero essa coisa sem voz
eu não quero me separar de nós

vamos mandar o silêncio fazer ruído noutro lugar
vamos nos encarar
como estranhos num espelho
turistas no estrangeiro
como se estivéssemos aqui no mesmo lugar

só você e eu,
sem o silêncio pra escutar
nada de ménage-à-trois
nada de mágoas pra guardar

tudo se pode falar
uma vez.

11.6.06

artrópode

eu estava com medo. gélido, paralisante. um medo que só quem já teve síndrome do pânico, depressão, sofreu assalto à mão armada ou ouviu a sentença de um médico sobre um ente querido num corredor de hospital.
um medo de morte.
não, eu nunca mais conseguiria. não, era irreversível. não, não tinha jeito, nem choro, nem reza brava. não, eu não era mais eu. não, eu é que era mesmo assim. não, não, não, não.
mas a garra do medo não é mais dura que a do orgulho. e o medo que me puxa pra baixo nada pode contra a do orgulho que me leva pra cima. vou me ralando, me esfolando, me batendo. mas a boca do lobo já não é tão funda.
a rita bem que disse: livre-se das suas máscaras! mas seja gratas a elas. foram elas que a trouxeram até aqui.
certamente , um dia desses, já não serão mais necessárias e delas me despedirei com certo alívio, e - espero - com leveza.
hoje são um exoesqueleto: me defendem e me mantêm de pé.
e, by the way, estou sim, me sentindo um inseto. mas dos bonitinhos. e que avua...