28.7.08

ao senhor dos jardins


ensina-me, senhor, a viver a vida das borboletas,
a ter a calma paciência das lagartas que se enrolam
voluntárias em casulos de escuridão.
proteja-me da ânsia pelo movimento
que me impeça de cumprir o tempo da mutação.
permita, então, que eu perceba o soar da hora
de romper liames e aceitar minhas asas em sua completa extensão.
guia-me pelo mundo das cores,
provê-me da alegria da impermanência
que será - e só ela - meu alimento sagrado.
ensina-me, com teu amor, a viver a intensa beleza do efêmero,
a fartar-me da delícia de cada momento,
como se fossem todos eles um sinal de eternidade.
e quando se acabe este dia, leve e tranquilo como anoitecer ou
em dor e medo como o fim do amor,
dá-me a sabedoria de abandonar as velhas asas,
descer ao solo e,
humildemente, retomar o caminho da lagarta,
até que o cansaço me conduza de novo ao casulo
onde a vida trabalha silenciosa e obscura
para entregar-me ainda outra vez
as asas da plenitude.

pintados

olho para o armário
fechado
vermelho, brilhante,
mogno aviltado.
guarda roupas, sapatos,
contas, cabides vazios
dependurados.
como eu guardo
máscaras, sorrisos,
silêncio, carinhos
não levados.
eu e o armário,
fechados, guardamos o que nos é de direito.
ele - madeira
eu - madura
nós dois - pintados.
guardo no armário minhas tralhas.
e eu, são de quem as que guardo?