23.3.07

só hoje

nunca mais
navegar sem âncora
nem saltar sem rede
nem voar no escuro ao meio-dia
nunca mais
borboletas no estômago
nem suores, calafrios.
nunca mais
o medo virgem,
nem a dissonante melodia
nunca mais
mergulhar
na mais profunda melancolia
como peixe num aquário, nem mais um dia.

(pra mim, que não acredito em definitivos,
o nunca mais é uma sentença de morte,
sem dia pra ser executada.
uma possibilidade, eu sei, certeza não se tem de nada.
mas ainda assim, é como uma armadilha, preparada
de emboscada.
nunca mais é além do que me é possível suportar.
vou então pensar no hoje.
só por hoje, tudo é possível.)

21.3.07

chamem o procon

sabe o que eu descobri: que eu sou uma propaganda enganosa ambulante. as pessoas me dizem coisas e eu pergunto: zizuisamadim, donde é que elas tiram isso? você é isso... você é assim... eu te acho...você é tão... e por aí vão elas tecendo comentários, elogios, análises, julgamentos. antigamente eu me dava ao trabalho de ponderar. hoje? nem tchuns, pq o povo vê só a casca, a caspa, a raspa e acha que já te entendeu todinho. rapaz, eu que convivo comigo 24h por dia sei só um pouquinho !!! claro que quando é alguém que pensa, eu até paro pra considerar, mas o mais é só psicologismo, deduções watsonianas, inferências do além-do-aquém...
pra conhecer alguém precisa olhar. ouvir. ver de longe, por trás da cortina.
antes de dizer eu acho você... me procure. vai que vc me encontra, né?
só aí decida se me compra. ou me devolva à prateleira, por favor.
de enganos quem anda cheia sou eu.
(me proteja, meu São Procon!)

19.3.07

leve

levanto devagar meu braço esquerdo. não, não, me dizem, é preciso que seja o direito - a mão com que você escreve...
enquanto abaixo o esquerdo, gentilmente pegam meu braço direito e o colocam na horizontal. não olho, fico contemplando o dorso da mão que fica, suas veias e sulcos.
pelo canto do olho vejo o brilho da lâmina. ouço o baque, sinto o sangue quente se espalhando. não há dor. uma sensação de formigamento começa onde antes havia o braço.
ouço os refolhos de asa se abrindo.
todos me sorriem. relevam meu sorriso vago e sem foco. sabem das dificuldades de ser meio borboleta, meio gauche.
limpam tudo com eficiência e em silêncio. quando a porta se fecha atrás do último deles, sopra o vento com cheiro de flor. é quando sinto a asa tremular. ao mesmo tempo, minha mão esquerda pousa levemente no parapeito da janela.