5.1.06

dos dois lados

faz muitos anos que eu estou tentando me apaixonar por ela. acordamos juntas todas as manhãs. à noite deitamos juntas na mesma escuridão. tento conhecê-la, admirá-la. tento contorná-la - em vão. nossos encontros, cada vez mais intensos, são pontuados por discussões. eu sempre a agrido. e ela chora.
sei que ela é o que pode e que minha absurda exigência é o que a faz pior. eu também choro. não aceitá-la como é vem devorando lentamente minhas forças.
invento vergonhas por ela. imagino o que os outros falam. vejo recusas por toda parte. culpo a ela e só a ela por minha solidão. se ela fosse diferente, eu não seria assim. às vezes, a odeio.

...

não me importo com o que ela pensa. eu sou o que eu sou. pouco, muito... tanto faz. nem melhor, nem pior do que ninguém, isso eu sei. tenho tanta pena por ela ser tão só e não perceber que bastava um gesto... uma admissão. não vou ser outra apenas pela vontade dela. isso não é amor, é submissão, humilhação. eu não mereço. nem preciso. eu tento, eu aprendo. ela fraqueja e sempre insiste na ilusão. estou crescendo, é só o que quero. gosto cada vez mais do passo e do caminho em que escolhi andar. olho para ela, tão amarga, ao meu lado, sem querer estar. eu a liberto, mas ela não tem a coragem de ir.
ela me odeia. eu choro. choramos juntas e ela não sente a minha dor. ela nem percebe que, lentamente, minhas asas crescem.

4.1.06

no porão do seu medo.

no buraco escuro da minha dor
eu leio
lâmpada acesa sobre o ombro
olhos itinerantes sobre o papel.
você, escondido à sombra, me contempla,
me examina, me julga.
nessa hora, sou o reflexo do seu medo.

você é feliz?

quando alguém me faz esta pergunta, a resposta sempre pronta é um sim.
embora tenha meus maus momentos, conflitos etc, sempre achei que a felicidade era um rio correndo por baixo de tudo que acontece. uma felicidade subjacente.
a rita me perguntou: então por que você não pula nesse rio, não mergulha nele? por que ficar sempre à margem?
ainda estou por responder. mas tenho pensado muito (loira pensando: perigo, perigo!). eu não me sinto infeliz. triste, confusa, perdida, solitária. mas também caminhando, forte, inteligente, capaz.
só tenho certo receio de que isso seja outra forma de fugir da pergunta essencial. um cachorro correndo atrás do próprio rabo. (por falar nisso, eu tenho um cachorro. ele também é loiro - tá bom: champagne. e quando está frustrado ou com raiva, enfim, quando surta, fica girando feito um louco atrás do seu apêndice posterior. uma graça! nessas horas, sinto que há uma ligação cósmica entre nós...)
eu gostaria de ser tão lúcida quanto pareço.

3.1.06

meu olimpo particular

Desde pequena eu tenho uma enorme atração pela Grécia e seus deuses.
Dona Benta, do Sítio do Pica-Pau Amarelo, (a dos livros, não a da tv) soube também me conquistar por aí. Os Doze Trabalhos de Hércules, O Minotauro, História do Mundo para Crianças, me trouxeram um universo paralelo, mais intuído que compreendido. Bem mais tarde, minha amiga Atena me fez perceber outras conotações nessas histórias. E conto tudo isso pra justificar meu apego aos deuses do Olimpo. Adoro a humanidade deles. Eles é que foram feitos à imagem e semelhança dos homens. Isso, a mim, dá a medida da nossa divindade. Se é possível ser deus e ser humano, então... Peguei a idéia desses deuses tão perfeitos em suas falhas e acertos e criei meu próprio panteão. Ali estão pessoas preciosas – a quem devo tantas oferendas pelas dádivas que delas recebo:
Heloísa, uma amiga rara e cara. Seus exemplos, suas palavras me provocam coragem e força.
A deusa Goya, tão linda, me ensina sobre o amor incondicional, sobre alegria, sobre superação. E sobre auto-estima inabalável.
Ademar, o deus dos abraços infindáveis, onde me sinto abrigada, amada e querida.
Luiz, um deus vicking perdido entre os mortais, cheio de fúria e graça. Ele assusta a muitos (é terrível em sua fúria!), mas com ele aprendi disciplina, auto-respeito, e a fazer das palavras poesia e ganha-pão.
Não os venero - não como se veneram deuses. Adoro cada um deles como amigos de quem recebo graças. Se bem que, de vez em quando, bem que eu peço alguns milagres...
Há outros – alguns com quem não tenho mais contato, outros que estão chegando agora. Serão citados em gratidões futuras.
Hoje fico apenas nesses. Preciso confessar que não escrevi isso para lhes fazer homenagem. Foi só pra senti-los mais perto. E recordar e me envolver de tudo mais que eles são e que eu não disse aqui.