26.11.09

transportadora gato preto

está na hora de mudar.
os cabelos, as roupas, as fugas.
e, ao mesmo tempo, de voltar.
às palavras, às madrugadas, às justas.

vou empacontando as coisas, enquanto meu novo lugar não se apronta.
ainda não é hora de remexer nos velhos baús.
em breve, em novo endereço.

19.9.09

sempre ela

de manhã, é ela quem escova os dentese penteia os cabelos, enquanto eu me escondo entre as cobertas. é ela quem toma café, almoça e janta, com todas as proteinas, vitaminas e carboidratos, cuidando do meu corpo, enquanto eu acendo um cigarro atrás do outro. é ela quem vai pro trabalho, cria, produz e sorri, enquanto eu navego entre a internet e minhas ausências. é ela quem cuida da minha filha, ri e brinca, enquanto eu assisto 'entre lençois'. à noite, quando ela dorme, cansada, vou pra sacada compor versos pra ninguém. mas nunca esqueço de cobri-la e lhe dar um beijo. de espantar fantasmas e mosquitos. e me pergunto até quando ela vai me suportar.

2.9.09

de poucas palavras

eu te amo.
eu te odeio.
adeus.
oi!
esquece.
não era você.
eu vi.
é verdade.
é mentira.

não são necessárias muitas palavras pra mudar uma vida. apenas que sejam as certas. e, talvez, esta seja a parte difícil.

27.7.09

eu, aqui, de novo.

na beira do abismo não há mais perdas. você se joga . a paisagem passa rápido. perde-se a noção da profundidade, as distâncias não fazem mais sentido. isso é a vida em plena vibração. já não se sabe. por instinto, batemos as asas. em algum momento, tudo vai se definir. mas agora, com licença - preciso decidir urgentemente se estou voando ou caindo.

20.6.09

jasmins demais.

em torno do vazio, construí o meu castelo.
bem no meio dele, ergui minhas muralhas.
achei que assim estaria protegida
de toda dor.
o vazio riu da minha ingenuidade...
foi-me entrando pelos poros,
viajando em minhas células.
o vazio também fez
em mim sua morada.
mas em algum lugar,
de alguma maneira,
sem que eu sequer quisesse
ou percebesse,
brotou um pé de jasmim.
(se você não sabe, o vazio não gosta de raízes,
nem de flores e muito menos
de perfumes.)
os galhos desta planta maravilhosa
foram rompendo as barreiras
como quem derruba paredes.
espalharam-se em toda a extensão
das minhas defesas ilusórias
fizeram entrar o sol,
permitiram chuvas e tempestades.
agora, descanso sentimentos
colhendo jasmins.
o vazio se recolhe
e meu castelo foi ao chão.
estou exposta ao que se avizinha,
ao que o vento traz.
meu pé de jasmim sorri.
“a vida, não tem defesas, meu bem...
o que nos une é o que nos falta.”

24.5.09

autoimagem

tem uma pessoa que vive me enchendo de elogios. que eu sou fantárdiga, maravilhosa, especial etc.
e eu passo o tempo todo tentando convencer esta pessoa de que isso não é verdade. do quanto sou incompetente, desastrada, esquecida; mencionando minhas celulites - as físicas e as mentais -, com a insistência de quem tem a certeza do mundo.

tá bom, se eu fosse tudo que este ser iluminado me diz, eu seria mesmo tudo de bom. a última bolacha do pacote. o gás da coca-cola. a pururuca da leitoa. não bato esse bolão. mas também não sou a adcdcdb (ameba do cocô do cavalo do bandido).

por que insisto em me mostrar só no lado arranhando do espelho? por enquanto só hipóteses... a resposta mais provável é um grande medo de decepcionar esta pessoa que me enxerga assim, de um jeito tão especial.

e coloco esta história tão particular aqui porque acho o tema pertinente. vejo amigas fazendo o mesmo (disse amigas - homem não faz isso). mulheres de qualidade rara se menosprezando aqui e ali.

da próxima vez que alguém me disser que eu sou isso de bom e aquilo de melhor, vou tentar lembrar que tenho qualidades verdadeiras. e que errar não é trágico, mesmo que desaponte. parece simples. parece. e por isso mesmo não precisa da minha ajuda pra ser complicado.

então, pessoa-que-me-elogia, só tenho uma coisa pra lhe dizer: muito grata. que bom que vc consegue ver aquilo que ainda tenho tanta dificuldade pra enxergar.

12.5.09

o mínimo necessário

nada mais do que isso:
um vento vai mexer a folhagem,
ou uma porta vai se abrir e fechar.
e eles saberão.
o que será,
já é.
poucas palavras.
gestos comedidos.
um riso monalísico,
um ar europeu.
tons pastéis,
pele matizada,
essência de lavanda.
por trás desta fachada,
babilônia se diverte.

2.5.09

sísifo


quando as emoções se ajuntam
em pilhas altas, maiores que eu,
tento rearranjá-las em poemas,
palavras que lhes dêem uma dimensão mais real.

quando as emoções gritam dissonantes
tento lhes dar algum ritmo
ainda que seja o das linhas
que se quebram num texto menos confuso.

nem sempre, no entanto,
isso chega
a mudar a dor que provocam
ou a grandeza e imensidão
que lhes são próprias e não me cabem.

talvez aí me sinta mais poeta,
discplicente embora nas minhas rimas pobres
ou na total ausência de coerência e forma.

esse texto é a prova final,
de que por mais que eu tente,
quando as emoções são tantas,
elas dominam o que tenho de mais lógico,
e me deixam exausta como um operário de obra,
a erguer paredes e fundações
que não se sustentam.

talvez neste momento,
o único a me entender verdaderiamente fosse
uma figura mitológica,
empenhado em empurrar ladeira acima,
a pedra que sempre volta
sem jamais chegar ao topo
de qualquer mínima verdade.





Diz a lenda que Sísifo era filho do rei Glauco de Corinto. Sísifo desafiou os deuses espalhando os seus segredos. O castigo imposto pelos deuses a Sísifo foi o seguinte: Sísifo teria que carregar uma pedra enorme até ao topo de uma montanha, no entanto, sempre que estava quase a chegar ao seu objectivo a pedra voltava sempre a rolar pela encosta abaixo, o que o obrigava a fazer tudo outra vez, por toda a eternidade.

21.4.09

não sou mais quem eu sabia:
sou outra, tão menos apropriada...
tão menos arrredia,
tão mais espevitada.

esta é menos que podia,
esta é tão desligada.
falta-lhe a memória dos dias,
falta-lhe o senso de outrora
falta-lhe o sentido das horas,
sobram-lhe medidas vazias.

a que eu era, era tão mais vívida,
todos lhe admiravam a pose;
esta outra é só vida
é não há o que não goze.
triste, mais realista, mais quieta;
mais alegre, mais disposta, menos reta.

o que eu era já não cabe
nesta via.
sou uma outra,
ou uma mesma
que eu não conhecia.

9.4.09

caiu a ficha?


esse deve ser o livro do ano. mulheres, assim que alfabetizadas, deviam lê-lo. decorar, mesmo. comer com farinha, passar no rosto...
pendurar na parede, página a página. pra esse caso não existe mulher inteligente. é tudo alice pollyana (desconfio que até a leila diniz...). blargh!

agarrei-me à máscara, como se dela dependesse a vida. se ninguém vê meu rosto, meus sentimentos, é como se eles não existissem no mundo real. claro que sei: é por pouco tempo. mas todos têm seu necessário alívio, ainda que temporário. saber que ninguém vê meus olhos é tranquilizador. esta burca me defende da pena e da raiva; do vazio e do medo;de algumas possibilidades de amanhã.
a máscara me cai bem. com ela todo dia é de sol, toda manhã é sábado, toda dor é vácuo.

28.3.09

coisas que a gente faz

existe um peso que a gente não conta
só levanta a cabeça bem alto
e continua andando
sem se curvar.

a gente aguenta e pisa firme
mantém a face serena
e as mãos bem fechadas
pra nada deixar escapar.

o medo a gente disfarça em música,
a fome a gente mata no trabalho,
e a ânsia a gente guarda pra depois -
quando fechar a porta, apagar a luz
e tampar a cabeça
com o cobertor da escuridão.

23.3.09

um dia ainda vou ser santa.

o caminho do meio... ora o caminho do meio. ele não passa lá nem cá. contempla-se de longe o rio e a floresta, sem o frescor da água, nem o alívio da sombra. o caminho do meio é para os santos, os que já não desejam. e eu só quero tudo. muito. intenso, imenso e imersa. quero todos os sentidos em alta, troco a latencia pela ardencia e a beatitude pela completude. um dia, talvez eu atinja o equilíbrio. no momento, minha única segurança é a corda que mal me sustenta. e ainda assim acredito: no lugar da queda, voo.

22.3.09

história

eu não tinha idéia da minha arrogância. tampouco da profundidade de minha ignorância a respeito dos meus próprios sentimentos. assim me envolvi na alegre inconseqüência dos que pouco sabem, e pulam e saltam poças como se nada lhes fora ser cobrado um dia. confundi leveza com o que era insapiência, despojamento com o que era uma absurda fuga dos meus princípios. tudo chega a seu termo e lá habitam os resultados. num segundo desci da torre ao calabouço. e, por vezes, no silêncio que se segue à tempestade, ainda ouço o som de um grito que mal reconheço meu . o tombo foi perfeito em trajetória e altura. ilusões quebradas, véus rasgados... e um frio endurecendo as emoções. mas como nada é sem remédio, dei a mão à criança que, devagar, me levou acima, degrau a degrau. longa a subida, profundo o desapontamento. saí. ando ainda um pouco trôpega, já que a falta da ilusão me faz perder às vezes o rumo certo. a luz da consciência me ofusca, sem a doce proteção de maya. mas caminho e sei para onde vou. paro de tempos em tempos para reorganizar os planos, agora bem mais simples. confesso trazer ainda na mochila algumas lembranças. tenho esperança de que, em algum ponto da estrada, terei a coragem de enterrá-las. talvez não. não fará tanto mal levá-las até um pouco mais além. nesse momento a criança me chama. coloco-a em meu colo, a pequena cabeça acomodada na curva do meu pescoço. isso também é felicidade.

21.3.09

por um sol que não queime

a quem você trairia para obter o que deseja?
a quem você mentiria para chegar onde almeja?
que pequena morte você corteja,
ao persisitir em tamanha cegueira?
nem tudo nos vem de bandeja,
mesa posta, de delícias farta.
por vezes, a pão e água se conquistam
maiores certezas que ilusões tão falhas.

minha cota de malha é leve
para artilharia tão pesada.
recuo para trás das torres
erguida por pedras atiradas.
menos por medo que por estratégia,
nem por pudor ou por alma rígida,
mas porque a dor que se vê tão nítida
não será minha, mas de quem não se protege.

o que ofereço (te parece pouco?)
é um rosto limpo e uma manhã sem mácula.
um lago límpido, numa floresta clara,
onde o reflexo deste sol tão raro
encha de luz o que é a mim tão caro.

7.3.09

...

o céu está cinza azulado. o pôr-do-sol joga em tudo uma estranha luz rosada. nuvens pesadas prenunciam chuva e um vento bom torna tudo suportável. estranha sintonia entre o que está dentro de mim e o tempo.também em mim há nuvens carregadas; uma estranha luz dá a tudo uma ar de foto antiga. há prenúncio de lágrimas, mas há sempre o vento...me sinto acolhida pela semelhança. assim em cima como embaixo. tenho uma notável percepção do presente, das opções, das perdas. tudo em mim é tensão e raio e trovão não tardam. fecho as janelas, cubro os espelhos. a tempestade vai logo desabar.

6.3.09

impressionista

eu queria ocupar um espaço.
deixar marcas, digitais
(mas não cicatrizes).
queria me ver nesse espelho
feito de vontade e ousadia,
e espelhar por minha vez
o que fosse verdade.
queria as portas abertas,
por onde o vento corresse livre.
nenhum amanhã, nenhuma vaga promessa,
somente a liberdade de ser
inteira e leve.
queria pendurar
na parede da memória*
um quadro de luz e espaço.
fica aberta, então, a vontade.
ao futuro tudo é possível.
e um prego preparado
aguarda essa iluminada pintura de monet
(um outro dia?)

* by belchior

2.3.09

irmãos, é preciso coragem

eu sei que amanhã será outro dia.
sei que será um lindo dia, da mais louca alegria
que se possa imaginar.
sei que desesperar jamais, e que louco é quem me diz que não é feliz.
sei que o amor tem feito coisas
que até mesmo deus duvida,
já curou desenganados,
já fechou tanta ferida.
sei que tudo é uma questão de manter
a mente quieta, a espinha ereta
e o coração tranquilo.
sei que i've got a friend,
que eu tenho que don't worry
and be happy.
só não sei é como dar jeito
no que acontece agora
neste vácuo de momento,
nesse istmo de tempo
em que da beira do abismo
se dá o salto.

27.2.09

coração bobo

tem coisa mais irritante que ouvir o próprio coração rindo da gente?
toda noite faço promessa pra n. sra. da santa razão guiar meus passos e fazer esse indivíduo calar a boca. ele? nem tchuns. que reiva!

20.2.09

minhas tristezinhas

é difícil escrever
com uma alma tão vazia:
vazia de rumos
vazia de tudo.
(é difícil colocar em palavras
o que não se sabe descrever
nem conciliar
com tanto a fazer.)
escrevo então confusões,
meio bobas, sem sentido.
mas dizem tanto do que sinto
que mal cabem nas linhas que imprimo.
seria tão bom se eu soubesse
escrever em forma de silêncio,
e que a ausência de letras expusesse
a tinta desta caneta invisível.
veja, dispo agora essas palavras,
de todo seu arrazoado.
e no espaço vazio abaixo,
entrego a poesia da minha tristeza.

(não tenha medo. a tristeza que é lida
não contamina. nem mesmo essas, nuazinhas...
são muito puras, as coitadinhas.)





















.

13.2.09

Tonight I can write the saddest lines

(Pablo Neruda)


Tonight I can write the saddest lines.
Write, for example,'The night is shattered
and the blue stars shiver in the distance.
'The night wind revolves in the sky and sings.

Tonight I can write the saddest lines.
I loved her, and sometimes she loved me too.

Through nights like this one I held her in my arms
I kissed her again and again under the endless sky.
She loved me sometimes, and I loved her too.
How could one not have loved her great still eyes.

Tonight I can write the saddest lines.
To think that I do not have her.
To feel that I have lost her.
To hear the immense night, still more immense without her.
And the verse falls to the soul like dew to the pasture.

What does it matter that my love could not keep her.
The night is shattered and she is not with me.This is all.

In the distance someone is singing. In the distance.
My soul is not satisfied that it has lost her.
My sight searches for her as though to go to her.
My heart looks for her, and she is not with me.

The same night whitening the same trees.
We, of that time, are no longer the same.

I no longer love her, that's certain, but how I loved her.
My voice tried to find the wind to touch her hearing.

Another's. She will be another's.
Like my kisses before.Her voice. Her bright body. Her infinity eyes.

I no longer love her, that's certain, but maybe I love her.
Love is so short, forgetting is so long.

Because through nights like this one I held her in my arms
my soul is not satisfied that it has lost her.

Though this be the last pain that she makes me suffer
and these the last verses that I write for her.

http://www.youtube.com/watch?v=zXHPk-ctoYY
(entre e ouça o poema com Andy Garcia)

12.2.09

eternamente

há muito tempo, literalmente no século passado, me gritaram o nome dessa música numa boate (ainda se chamava discoteca). com um recado (não literal, minha memória não chega a tanto): toda vez que ouvir, eu vou me lembrar.
não precisa dizer que grudou que nem praga (e foi mesmo de um pestinha, com cara de bebê johnson's). daí pra frente essa música sempre teve dono.
hoje, o tal peste é um amigo.
mas aos 20 anos, nunca e sempre duram... uma vida.
e a beleza, ao contrário do tempo, não passa.


Eternamente
(
Tunay E Sergio Natureza)

Só mesmo o tempo
Pode revelar
o lado oculto das paixões
O que se foi
E o que não passará
Inesquecíveis sensações
Que sempre vão ficar
Pra nos fazer lembrar
Dos sonhos, beijos
Tantos momentos bons
Só mesmo o tempo
Vai poder provar
A eternidade das canções
A nossa música está no ar
Emocionando os corações
Pois tudo que é amor
Parece com você
Pense, lembre
Nunca vou te esquecer
Vou ter sempre você comigo
Nosso amor eu canto e cantarei
Você é tudo que eu amei na vida
Nunca vou te esquecer

quase.

já deve ter acontecido com você. num procedimento médico, odontológico. numa sessão de massagem. sei lá onde. mas todo o preparatório indica: vai doer. você se prepara, o corpo retesa, a boca trava e os dentes estalam. e... nada. não dói! ou se dói é tão pouco perto do que você esperava que... é nada.
pois é. aconteceu comigo. me preparei toda: músculos retesados - ok; dentes travados - ok; olhos bem fechados - ok; lágrimas a postos - ok; garganta pronta pra se esgoelar em último recurso - ok.
...
...(?)
... (abro um olho)
... testo com a língua, cutuco com a ponta do pé... não, nada consta.
bom, pra falar a verdade doeu um pouquinho, sim. tão rápido... passou!
você não dever estar entendendo nada, né? nem eu.
deixa pra lá.

10.2.09

coisa de gente doida

fui dar uma volta no blog. brincar de túnel do tempo. gozado, se eu invertesse e colocasse o que escrevi no começo agora, estava bom. daí começo um bate-boca infrutífero com meus botões sobre se não estou andando em círculos. bom, pode ser que eu seja tão fantástica que tenha aquela coisa atemporal dos bons escritores. rá-rá-rá! (que delícia se eu fosse mesmo assim convencida...). por outro lado fico pensando: a gente cresce, amadurece, muda, desmuda... mas nossa maneira de sentir, muda também? claro que tem umas besteiras que deixamos pra lá, roupa que nem serve mais. emoções prescritas, sentimentos com data de validade vencida, vamos jogando esse lixo fora (sinal nº 1 de que a maturidade nos ronda). mas... a guia dos sentimentos, a linhagem das emoções, os trilhos desse trem... será que se alteram? limpe o supérfluo e me diga: a sensação do primeiro beijo numa pessoa desejada é diferente aos 20, aos 50? o frio na barriga é mais... adulto?
acho que todo mundo muda, sim. mas no raso, somos o que fomos. mais burilados.
(aí entra o caetano implícito e tasca logo um ou não...)

6.2.09

não há o que não haja.

o mundo é mesmo muito doido e
a vida, sempre uma novidade.
uma amiga, risadas, colo e choro...
pronto!
o mundo pra mim agora
dá pé.
de novo.

(grazie, bella)

5.2.09

ao que não é visto

e tem essa outra que não sabe onde põe as mãos
quando as coloca sobre a mesa
e que chora no velório das memórias,
essa outra que se disfarça e mastiga as lágrimas
(porque é feio chorar em público)
e as engole, até que voltem em refluxo.
essa outra sem compostura,
que se envergonha das palavras ditas
porque esperadas,
que guarda aquelas que derreteriam as geleiras
apenas por ser o frio gelo guardião do medo alheio.
essa outra que olha tanto
que vezes sem conta teve seus olhos vendados
por serem tão invasivos e intensos
quanto as tolas armas nucleares.
essa outra que não aparece,
a não ser como fazem as almas penadas,
para os que têm o misterioso dom
de enxergar
uma tão outra realidade.

o último cigarro


sobre a mesa branca, um cinzeiro pousa
à espera da próxima cinza fumada em silêncio.
um cigarro que ocupa a mão e a mente,
na noite passada entre uísques vazios.
por mais que pareça trágico, não me angustia.
aquele cinzeiro ainda vai achar companhia.
retratos de vida roubados ao tempo,
pequenas janelas de alegria.
e as mãos que se ocupam em fabricar cinzas de pensamentos
ainda vão estar ocupadas, construindo sentimentos.